Indo para a Maria Ribeira, numa pausa para o café em Gurupá-Mirim (outra comunidade quilombola), Bira nos conta a luta dos quilombolas da Maria Ribeira.

Os antepassados deles fugiram depois da abolição. Foram procurar, escondidos, um lugar para ficar. Primeiro, chegaram na Ribeira. Tinha um escravo liberto ou fugitivo lá, mas que não era incomodado e ajudou eles a explorar a região. Mas acharam que não era muito seguro, porque ficava muito perto do rio Amazonas. Viram que para lá do igapó[1] tinha lugar bom. Foram verificar. Voltaram para o dono não desconfiar, aí, prepararam a saída e foram chegar aqui. Para dificultar as buscas, foram derrubando árvores os igarapés, que impediam os barcos de avançar.

A comunidade que a gente vai visitar, a Maria Ribeira, decidiu não fazer a titulação coletiva com as comunidades do Jocojó, que são 13 comunidades no mesmo território quilombola. Eles tiveram o reconhecimento em separado. Talvez, porque, lá atrás, uns grupos de escravos foram para o Jocojó e este grupo ficou por aqui.

Durante quase um século, eles ficaram isolados, boa parte dos contatos deles com Gurupá e com os comerciantes que passavam por aqui era feito por esta pessoa que morava perto da Maria Ribeira, na beira do rio e que ia sempre para Gurupá.

Arimatéia, que nos recebeu e nos fez visitar a Maria Ribeira, é professor, fez faculdade de pedagogia, coordena o festivo de Santa Maria, principal festa local, em homenagem à padroeira da comunidade. Ele nos mostra, com orgulho, as reformas em curso na igreja, que está sendo ampliada.

A comunidade começou com a fuga dos quilombos. Eles viviam mais para o centro, era mais escondido, depois é que vieram para a beira do rio. A organização comunitária se deu pelos festejos religiosos. Temos cinco festejos, de Santa Maria, de Santa Apolônia, do Divino Espírito Santo, da Trindade e de São Francisco.

As irmandades das CEB [Comunidades Eclesiais de Base][2] surgiram nos anos 70, com o padre Getúlio[3]. Não tivemos conflito com fazendeiro, lutamos pela legalidade e pelo documento da terra de quilombo.

Depois que conseguimos legalizar a terra de quilombo, surgiram alguns conflitos entre vizinhos, por divisa entre as famílias ou entre as comunidades. Achamos que ficou melhor com o título em separado, porque não tem os conflitos dos grandes grupos.

Nós somos pobres, mas somos ricos, já tem casa, energia, antes o telhado era de palha, hoje, de telha, todos tem água, que vem de um poço que alimenta das duas vilas.

Temos internet. O que acontece na cidade ou á fora, a gente já sabe. Estamos vendo se chega internet para a escola.

Antes, o a lenha e o paneiro de farinha eram carregados nas constas, agora, é na moto.

No início, tinha 30 famílias na comunidade. Nas duas vilas, tem 55 casas, mas tem casas com duas famílias. Chega a 70 famílias na comunidade. Tem também gente que está na cidade, mas faz parte da comunidade e da Associação. Então, consideramos que temos 90 famílias na associação.

A associação ficou com o projeto de construção de casas do Minha Casa, Minha Vida Entidades[4]. Já construíram 30% do projeto, mas estão com problemas com a empresa (construtora).

Nota

[1] Terrenos alagados, pantanosos, às beiras dos rios amazônicos.

[2] Organização de base de parte da igreja católica nos anos 80, impulsionada pela ala da igreja influenciada pela teologia da liberação. As CEB tiveram um papel importantíssimo na democratização do país, nas campanhas de combate à fome, na retomada do sindicalismo dos trabalhadores rurais e da agricultura familiar, na organização de movimentos pela moradia ou na organização das comunidades da periferia das grandes cidades ou mesmo das cidades do interior, na fundação do PT, entre outros.

[3] Padre Getúlio é ainda o pároco de Gurupá.

[4] Linha do programa habitacional criado pelo governo Lula na qual o financiamento é concedido para uma associação, que podem construir em forma de mutirão de auto-construção, ou contratando uma empresa, o que a associação local resolveu fazer.

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