A comunidade de Marajoí fica à beira do rio do mesmo nome e tem uma particularidade: apesar de ser predominantemente uma área de várzea, há áreas de terra firme que permitem o cultivo da mandioca e outras culturas de sequeiro. 

Em 1995, quando estive no Marajoí, a comunidade tinha três fontes de renda monetária principais: o açaí, o palmito e a madeira. À época, as famílias da comunidade davam prioridade ao palmito e à madeira. 

Dois fenômenos pressionavam nesta direção. Poucos anos antes, havia sido proibida a exploração do palmito de juçara (euterpe edulis), espécie da Mata Atlântica, que alimentava no mercado consumidor até então. O cultivo de outras espécies de palmeira era totalmente incipiente, o açaí, das áreas ribeirinhas da Amazônia, passou então a ser a única fonte de palmito para o todo o mercado consumidor brasileiro. Quanto à madeira, ela era a principal fonte de renda das famílias durante as cheias, depois das colheitas das roças de vazante. 

As lideranças comunitárias já percebiam que este sistema era insustentável. O corte do palmito não incentivava o manejo dos açaizais e a madeira era explorada de forma excessiva. Várias iniciativas vinham sendo implementadas, para aumentar o valor agregado da produção dos ribeirinhos: a construção de uma fábrica de palmito, para que a comunidade pudesse vender o palmito envazado, a capacitação dos ribeirinhos no manejo do açaizal (realizado, justamente na cheia), para melhorar a produção do caroço de açaí, e a organização da venda do açaí no mercado consumidor de Belém, evitando assim os intermediários da região. 

As reuniões de diagnóstico participativo mostraram claramente que esta via era bem mais vantajosa para as comunidades, mesmo no curto prazo, além de darem sustentabilidade para o sistema de produção local. 

Seu Benedito nos conta como as coisas evoluíram.

O manejo do açaí começou mais ou menos no começo dos anos 80. Começaram umas 12 pessoas. Não tinha ainda o FNO13, depois é que pegamos financiamento do FNO. 

O manejo é simples. A gente só faz roçar, cortar os paus, cortar cipó, para ficar no limpo a touceira. A gente sabe mais ou menos que tem que ter 3 m de distância entre cada uma e, em cada touceira, tem que ter só a mãe, a filha e a neta. 

Começa a dar o açaí quando a planta tem 1,40 m, com uns 3 anos, e continua até alta, com 12 ou 15 anos. Tudo depende da terra. Tem árvores que dão 2 paneiros rasos de caroço, de uns 20 litros cada. Cada paneiro dá uns 7 a 8 litros de vinho. A gente vende a R$ 20,00 o paneiro. 

Tem terras que dão mais, tem famílias que vendem uns 1.000 paneiros por ano. Eu, em 2019, minha safra foi fraca. Não vendi nem 80 paneiros. Em 2020, vai ser de dar muito, pelo que estamos vendo. 

As minhas terras ficam mais para dentro da mata, tem menos açaí, macaco e papagaio comem. Macaco só faz estragar: come um ou outro caroço, mas desce arrancando os caroços. Em compensação, os tucanos ajudam: eles comem pouco, mas já vão largando os caroços em outro lugar, plantando. 

Quando veio o FNO, começou o plantio de açaí em terra firme. Aí é que começou essa coisa da distância entre as touceiras. Os projetos eram para plantar açaí e bananeira. Era um projeto meio fechado: eles financiavam a compra de adubo, ‘filho’ [muda] de banana, que veio de Belém, carrinho de mão, machado, ancinho. A quantidade era fixa, todos os projetos iguais: teve adubo que foi jogado no mato. 

A banana, não tinha para quem vender, o bicho comia a bananeira e a banana se acabou. Até hoje tem gente devendo ao FNO. 

Das 75 famílias da comunidade, só umas 8 ainda tem roça em terra firme. Todos vivem do açaí e do palmito, principalmente do açaí. A safra do açaí vai de janeiro a abril, mais ou menos. Quando começam as trovoadas, cai tudinho, acaba a safra, fecha o banco14. A gente ainda vende para o atravessador. O palmito, às vezes tem que vender fiado, mas o açaí, não mais.