Seu Alípio, que nos hospedou, nos conta os avanços no manejo dos pescados, camarão e peixe.

Construímos os viveiros para esperar o comprador. A tela do viveiro é grande, para deixar sair os camarões pequenos. Eles aguentam no viveiro uns 7 ou 8 dias. O peixeiro não quer ir de casa em casa, ele prefere pegar em um só lugar. E o pessoal quer colher o camarão e ir para casa para os outros serviços[1]. Então, eu compro o camarão deles e junto com os meus no viveiro. Mas eles entregam tudo misturado, a gente tem o trabalho de escolher, ‘cascar‘, organizar… Pago R$ 6 no graúdo e médio, vendo por R$ 8,00 para o peixeiro. Ele vende para o pessoal nas praias por R$ 13,00 ou 15,00 o kg. É esse o preço em Santana[2] também.

O miúdo, descascado, vendo por R$ 13,00 o kg, mas pago R$ 5,00 para descascar. O atravessador vende por R$ 16,00 o kg, em Belém.

O problema é o gelo. Ele passa no sábado no final da tarde ou domingo de manhã, deixa o gelo, a gente tira o camarão dos viveiros e entrega para ele quando ele volta. Quando não temos gelo, pegamos menos.

Pelo peixe que recebo dos vizinhos para revender, recebo R$ 2,00 por kg. Pegamos peixe no espinhel, o risco é grande. O peixe ‘buia’[3] e pode alagar o barco ou ‘riscar’ a pessoa. Ensinei os meninos a colocar um anzol na ponta da vara para dar um ‘viseu’ no peixe, acaba com a valentia do peixe.

Queria vender mais em Gurupá. Lá, entra o dinheiro do Bolsa Família, das aposentadorias, da prefeitura, um pouco da venda do açaí… Antes, a gente vendia fácil. Mas agora, a situação está muito ruim, as pessoas até querem comprar, mas não tem dinheiro para pagar.

Às vezes, levamos para vender em Santana. Tem um barco que vai na quarta e baixa na sexta para Gurupá. A passagem custa R$ 40,00, mais R$ 10,00 por cuba de gelo. O barco de linha é pior: a passagem custa R$ 60,00, mais R$ 20,00 por cuba. Além disso, a gente tem que pegar ele do outro lado do rio, ele chega lá de noite e volta de noite, a gente tem que dormir no carapanã…

Uma coisa que as pessoas aprenderam nessa luta e com a FASE, é negociar, não cair na ilusão de aceitar o que o pessoal queria pagar. As pessoas vendiam para os atravessadores sem negociar, a madeira, o açaí, o palmito, a farinha…

Notas

[1] Tradicionalmente, o camarão é pego nos matapís, armadilhas onde se coloca a puqueca, nome dado à isca, embrulhada em uma pequena trouxa de folhas. Dos matapís, os ribeirinhos tiravam todos os camarões, independentemente do tamanho, e o secavam para a comercialização. Hoje, duas novidades foram introduzidas. Os compradores trazem gelo para poder levar, também, camarão fresco em enormes caixas de isopor. E os ribeirinhos introduziram técnicas de manejo: coloca-se uma menor quantidade de matapís nos rios e os camarões extraídos do matapí são colocados algum tempo em viveiros com telas que deixam escapar os camarões pequenos e permitem uma depuração dos camarões comercializados, já que, no viveiro, ficam em jejum. Com camarões maiores e de melhor qualidade, os preços aumentam e, com a preservação dos camarões menores, a pesca é menos predatória. Este projeto de manejo comunitário de camarão de água doce, iniciado em 1997 pela FASE-Gurupá e o STR, recebeu o Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social. Para saber mais:  https://fase.org.br/pt/acervo/videos/1570/

[2] Município vizinho a Macapá, capital do Amapá.

[3] Resiste nadando na superfície do rio, podendo fazer o barco se inclinar ou cortar a mão do pescador.