Para nos relatar os avanços no manejo sustentável da floresta e dos rios, Seu Antônio começa por uma das medidas mais simbólicas que adotaram:

Melhorou muito a conscientização das comunidades. Com os projetos, melhorou muito o manejo. Ninguém pesca mais no timbó[1]. Antes, vinha barco de timbó: os donos jogava o timbó e os peixes ‘buiavam’. Agora, ninguém mais permite isto. De vez em quando, na semana santa, vem gente vender timbó,

Há 23 anos, não tinha uma árvore produzindo açaí, porque a gente cortava para vender o palmito. Agora, manejamos o açaí e o corte do palmito diminuiu muito: só tiramos no manejo do açaizal, quando temos que cortar um pé ou outro, só vendemos o palmito de qualidade, as fábricas não querem mais palmito fino, só o grande.

Seu Milton explica o manejo:

Hoje, o carro chefe é o açaí. Tem família que pescava direto camarão, hoje, não pesca mais. A maioria não quer arriscar a ir vender em Santana. Aqui, mesmo com os intermediários, é vantagem, tem comprador direto. Lá, o preço pode variar muito: basta ter uma chegada grande lá, você pode vender mais barato do que para o atravessador e tem o frete. Tem também o problema de voltar com o dinheiro e dar um assalto…

Tem duas safras de açaí: uma grande e uma pequena. A grande, vai de julho a outubro, na estação da seca: o preço é mais ou menos de R$ 60,00 a saca de 4 latas. A pequena, vai de janeiro até maio ou junho. A produção é menor, mas o preço é maior: hoje, vendemos a R$ 140,00 a lata.

O manejo que a gente faz é assim: a gente delimita uma área, faz a limpeza, faz o inventário, seleciona a área que vai produzir, faz um desbaste na mata, mantendo as árvores que tem um valor econômico. Quanto menor o impacto na floresta, melhor. As pessoas que não foram ao curso sobre manejo cortavam o murumurú. Agora, alguns já começam a manter alguns mururmurú. Em geral, ficam umas 400 touceiras por hectare, com mais de 200 árvores de outras espécies. Se o açaí estiver sem sobra, parece que ele seca, perde polpa e ela não ‘tuíra’ direito… a tuíra é aquela cinza que vem no caroço quando está maduro. Quando estão bem maduros, podem ter mais antocianina, é possível explorar este mercado.

Seu Antônio continua.

Na safra, este ano, vendemos, no mínimo, por R$ 60,00 a saca, mas em média, saiu a uns R$ 80,00. Na entressafra, uma saca com 4 latas é vendida por R$ 130,00 ou 140,00, entre R$ 30,00 e 35,00 a lata.

No camarão, não pegamos mais muito o camarão miúdo. Uma vez, negociamos a venda de camarão com a associação de Santa Bárbara, que vende para um comprador de Santarém. Entregamos uma carga escolhida, só camarão grande, mas chegou lá uma outra carga, com peixe e camarão miúdo no meio. A gente não tinha ninguém para ir junto. Desistimos disso. Pegamos menos camarão.

Isauriete complementa:

Meus pais vieram de Cametá para esta região quando eu tinha 8 meses. Chegaram na Ilha das Cinzas quando eu tinha 4 anos. Tenho, hoje, 46. A pesca do camarão começou então há 42 anos.

Meu pai saia distribuindo matapí[2] com os pescadores dele. A safra vai de maio a novembro e os pescadores vinham às vezes de longe para pescar aqui, de Cametá ou de outros lugares e, no final da safra, voltavam para suas comunidades. Meu pai tinha mais ou menos 1.000 matapí. Ele já trazia o camarão frito dos pescadores, e descontava o custo do matapí. Ele ia 3 vezes na semana para Santarém, Macapá ou Belém.

Progressivamente, ele deixou de trazer gente de fora e começou a comprar das pessoas daqui mesmo. Um tempo, comprava para gelar, ou então eles fritavam.

Seu Antônio conclui:

A FASE trouxe a ideia de ficar só com o camarão graúdo. Fizemos vários testes. Tentamos criar em cativeiro, não deu certo. Aí, começamos a fazer um matapí com umas frestas maiores, para deixar o camarão miúdo escapar. Mas as pessoas deixaram de fazer, porque tem a dificuldade da matéria prima: a tala vem de fora. Muitos não queriam ir buscar, não queriam tirar os cipós para fazer os arcos. Hoje, colocamos o camarão num viveiro que tem uma rede que deixa sair os miúdos.

Até hoje, não tivemos um mercado para o camarão. Alguns vendem na cidade. Mas a grande maioria vende o camarão para o atravessador, só tem um que vem aqui. Ele é de Santana[3], mas casou com uma pessoa daqui e tem um grande açaizal aqui. O próprio comprador, hoje, só quer camarão de viveiro. Aqui, eles pagam R$ 5,00 pelo camarão especial. Se está misturado, de R$ 3,00 a 4,00. Ele está vendendo direto em Santarém.

Notas

[1] O uso de plantas tóxicas para atordoar os peixes é uma tradição em toda a Amazônia, mas também em outras partes da América Latina, em particular em muitas comunidades indígenas, que possuem vários rituais ligados ao uso das plantas na pesca e na caça.

[2] Ver nota 1, aqui.

[3] Município e porto vizinho a Macapá (AP).