Várias pessoas da comunidade estavam presentes na roda de conversa espontânea que aconteceu na nossa chegada. Seu Antônio abre a roda, contando um pouco a história de lutas da comunidade:

Hoje, a comunidade tem 60 famílias. Antes, a associação tinha 40 famílias associadas, mas hoje, poucas famílias estão associadas. Algumas direções da associação deixaram a desejar. Queremos reativar, ir conversar com cada sócio, no pé de ouvido. Eu fui presidente e quero voltar de novo, mas quero ouvir do sócio se vai ou não votar.

Seu Milton continua, voltando mais longe no tempo:

Eu fui adotado por uma família que, se dizia, tinha vindo do Ceará.

Antes, eram difíceis as coisas, a gente não tinha a renda do açaí. Tinha que cortar o murumurú[1], tirar a madeira, os roçados e a seringa. Não se defumava mais o látex: o comprador dava as latas para pôr o leite da borracha já com o amoníaco e a gente entregava assim.

O barracão era do Cizico, que até hoje está lá. Ele não tem mais o barracão. O esquema era o tradicional: o patrão, dono do barracão, dava uma colocação e as latas com o amoníaco. A gente entregava o látex para ele e fazia as compras lá. Naquela época, ele queria proibir o tio baixinho de colocar matapí no próprio terreno. Ele comprava a madeira e o leite da borracha.

Acabou a madeira. Aí, veio o fortalecimento da igreja e do sindicato. Quando montamos a associação, começou a diminuir, mas ainda tinha o barracão até 2000 ou 2002. Hoje, ele não tem mais o barracão.”

A associação foi criada em 2000. No início, nosso objetivo era processar e comercializar o camarão, mas não deu certo direito. Vimos que não precisava tantos matapís: a gente punha uns 200 ou 300, ficava uns 2 ou 3 dias pegando muito camarão, mas depois caía. Hoje, a gente coloca uns 60 ou 70 e faz um rodízio, pegando mais tempo no mesmo lugar, mas gastando menos o nosso tempo.  A gente economiza tempo com os viveiros, porque não precisa mais cozinhar o camarão.

Hoje, o carro chefe é o açaí. Tem família que pescava direto camarão, hoje, não pesca mais. A maioria não quer arriscar a ir vender em Santana. Aqui, mesmo com os intermediários, é vantagem, tem comprador direto. Lá, o preço pode variar muito: basta ter uma chegada grande lá, você pode vender mais barato do que para o atravessador e tem o frete. Tem também o problema de voltar com o dinheiro e dar um assalto…

Tem duas safras de açaí: uma grande e uma pequena. A grande, vai de julho a outubro, na estação da seca: o preço é mais ou menos de R$ 60,00 a saca de 4 latas. A pequena, vai de janeiro até maio ou junho. A produção é menor, mas o preço é maior: hoje, vendemos a R$ 140,00 a lata.

O manejo que a gente faz é assim: a gente delimita uma área, faz a limpeza, faz o inventário, seleciona a área que vai produzir, faz um desbaste na mata, mantendo as árvores que tem um valor econômico. Quanto menor o impacto na floresta, melhor. As pessoas que não foram ao curso sobre manejo cortavam o murumurú. Agora, alguns já começam a manter alguns mururmurú. Em geral, ficam umas 400 touceiras por hectare, com mais de 200 árvores de outras espécies. Se o açaí estiver sem sobra, parece que ele seca, perde polpa e ela não ‘tuíra’ direito… a tuíra é aquela cinza que vem no caroço quando está maduro. Quando estão bem maduros, podem ter mais antocianina, é possível explorar este mercado.

Com a FINEP, temos um projeto de sistema agroflorestal que mistura açaí, pau mulato[2] e banana resistente à cigatoca[3]. Recebemos recursos para um acompanhamento técnico da EMBRAPA.

A FINEP financia também outros projetos: as fossas e o tratamento de água; os cursos de organização comunitária, a energia solar para a sede da associação, um barco e uma voadeira para a associação, uma experiência que fizemos com abelhas, que não deu certo. Temos um outro projeto, de uso da biomassa dos resíduos de serraria, que não financiaram porque não tinha mais recursos. Talvez os recursos venham em outro projeto da EMBRAPA.

A associação tem hoje mais ou menos 58 sócios, umas 30 famílias.

Nos últimos 3 anos, tivemos alguns outros projetos. Temos um com a Natura. 10 famílias da associação estão comercializando murumurú e ucuúba. O murumurú é comercializado junto com 3 comunidades de Mazagão, com mais ou menos 7 famílias. No Baquiá, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável, tem 8 famílias que também comercializam murumurú e ucuúba. No Alto Jaburú e no Tauarí, tem 23 mulheres que vendem ucuúba e também murumurú.

Fazemos a entrega duas vezes por ano para a Natura: entregamos em Belém e eles pagam em 15 dias, direitinho. Na última entrega, foram 7 toneladas de ucuúba e 2 t de murumurú. Para o murumurú, a Natura paga mais de R$ 6,00 o kg, o produtor recebe R$ 4,15, a associação R$ 0,60, para taxas, impostos, combustível, acompanhamento. Para a ucuúba, o produtor recebe R$ 1,80 por kg, dos R$ 3,00 que paga a Natura, a Associação fica com R$ 0,25 por kg. A Natura fornece também os equipamentos: bota, ancinho, martelo e óculos para quebrar as amêndoas.”

A Ilha das Cinzas é terra da União, quem cuida é o GRPU. Há mais de 15 anos, em 2002 e 2003, conseguimos aprovar o Projeto Agro-Extrativista na Ilha. Foi um dos três primeiros em áreas de “vargem” [várzea].

O INCRA deu os recursos para construir as casas e as fossas. Duas casas tem fossas suspensas, com banheiros mais altos. Estamos também fazendo um teste de fossa com manilha. Mas é inviável para as 16 famílias. Cada manilha destas pesa 500 kg: é muita dificuldade para trazer. Com os recursos que a gente recebeu, mais 15 fossas suspensas vão ser feitas.

O sistema de tratamento da água veio da prefeitura. Tem uma moto-bomba que usa água do rio, com três caixas, uma para abastecer, uma com filtro, outra para distribuir. Nessa, a gente coloca cloro, as vezes, nem sempre. São 5 ou 6 casas que usam esta água. Temos um projeto com a FINEP[4], com o mesmo modelo, mas que inclui um clorador. Antes, para beber, a gente colocava num depósito pequeno com hipoclorito de sódio e cloro.

Notas

[1] Palmeira da qual se produz, a partir da polpa e da amêndoa, uma gordura – óleo ou “manteiga” – utilizada na indústria cosmética.

[2] O extrato da casca do pau mulato, com propriedades cicatrizantes e rejuvenescedora na etnomedicina, é utilizada na indústria cosmética e farmacêutica.

[3] Fungo que ataca as bananeiras.

[4] FINEP: Financiadora de Estudos e Pesquisa, órgão federal de fomento à inovação na indústria.