Em 1995, recebi um convite para me embrenhar 3 meses em Gurupá, na região das ilhas, no Pará, a 36 h de barco de Belém, onde, além da telefônica, só havia 3 linhas de telefone: na Prefeitura, na polícia e na casa de um dos poderosos locais… Quase tudo concorria para que eu o declinasse a proposta: uma filha de 8 meses, minha esposa recém chegada em São Paulo, onde não tinha família nem amigos e vários projetos a coordenar na ONG que eu dirigia à época… 

Meu conhecimento da Amazônia era incipiente: em 1979, ainda estudante na França, percorri o Bico do Papagaio, no Araguaia, para conhecer a luta pela posse da terra das comunidades locais, o garimpo de Serra Pelada e o trabalho da CPT, à época liderada por Emmanuel Wamberg. Era uma viagem exploratória. Com Betinho, do IBASE, havíamos idealizado um projeto que não se concretizou: documentar a guerrilha do Araguaia do ponto de vista dos posseiros e das comunidades locais, vítimas, como os guerrilheiros, da crueldade dos militares, comandados pelo “major Curió”.

O convite, feito por Paulo Henrique Borges de Oliveira, era quase irrecusável: fazer um diagnóstico participativo dos sistemas agrários locais, focando ao mesmo tempo na racionalidade econômica e nas sustentabilidade ambiental das atividades exercidas por cada comunidade e buscando, com elas, as possibilidades de melhoria e as alternativas econômicas.

Paulo coordenava, à época, o escritório da FASE-Gurupá, que havia idealizado, junto com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município, um projeto com três frentes de trabalho: apoiar o STR e as comunidades na luta pela posse da terra; explorar as possibilidades de melhoria da renda dos ribeirinhos; e preservar a floresta dos ataques de madeireiros e grileiros, mas também dos efeitos negativos das técnicas de manejo insustentáveis praticados pelas comunidades.

Nesta época, o projeto já estava ganhando volume e intensidade, com apoio de várias ONGs ou instituições internacionais e parcerias importantíssimas com universidades e institutos de pesquisa (UFPA e Instituto Emílio Goeldi

Em 3 meses, descobri um outro Brasil, o Brasil dos ribeirinhos, com a sua cultura fortemente marcada pela convivência com a floresta e o ritmo dos rios, da “montante” e da “vazante”.

Estes ribeirinhos travavam, à época, uma luta pela posse de suas terras e territórios e já queriam mostrar ao mundo que esta luta era, também, uma luta pela preservação da floresta amazônica.

Nas décadas seguintes, acompanhei de longe os avanços do trabalho realizado pela FASE e pelas comunidades, mas não tive a oportunidade de voltar a Gurupá.

Em 2019, em busca de pedaços perdidos de mim mesmo, tirei um tempo para rever amigos que havia perdido de vista. Na impossibilidade de rever Paulo Henrique, falecido alguns meses antes, fui me reencontrar com Maria Antônia, sua companheira, rever Gurupá e conhecer o resultado da luta daquelas comunidades. Me acompanhava, nesta viagem, uma destas pessoas que havia perdido de vista, Catherine Ducailar, que foi durante décadas gestora de uma unidade de conservação na França e que não conhecia o Brasil.

Fui recebido em Gurupá por Bira, um dos principais atores de todo o processo, que nos guiou por todas as comunidades onde havia trabalhado em 1995 e algumas outras.

O que descobri foi um alento, num período de tantas angústias com o futuro do Brasil, da Amazônia, de tantas agressões às conquistas sociais e ambientais das últimas décadas. As comunidades ribeirinhas conseguiram assegurar a posse das terras nas quais viviam. Mais: eles melhoraram o manejo dos seus ecossistemas e suas fontes de renda, o que está permitindo às gerações que vieram em seguida a possibilidade de estudar – muitos estão na faculdade em Belém, Macapá ou Breves – e voltar se estabelecer em suas comunidades, com desejos, expectativas e, sobretudo, projetos.

A volta ao passado foi, na verdade, um passeio pelo futuro.

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